Cuidar
de outra pessoa exige amor, certo preparo, e uma paciência absurda.
Por isso
eu estava procurando as palavras certas para redigir esse texto sem parecer que
estava apenas reclamando sem fundamentos (acreditem, eu gosto muito de reclamar
e seria difícil fugir dessa possibilidade). Tudo o que eu pensava em falar
sobre paciência caía no que todo mundo
já sabe: “cuidar de alguém exige preparo, amor, e uma paciência absurda”. E eu
não quero soar repetitiva.
Muito
menos quero soar pessimista ou dramática, explicando para vocês o quanto, às
vezes, me sinto cansada, desmotivada e (pasmem!) sem paciência.
A verdade
é que é assim que eu me sinto, especialmente depois de cinco anos de cuidado e força
que eu tenho tentado transmitir para a minha velhinha. É claro que a minha mãe ainda faz muito mais do que eu, porque
é ela quem dá banho, troca as fraldas, lava as roupas (um dia conto para vocês
sobre a nossa rotina)... mas sou eu quem passa o dia-a-dia aqui, ouvindo a
risada dela no final do corredor, correndo atrás de comida, café, e recolhendo
os pedaços de pão que ela joga no chão. E isso cansa, cansa muito.
Mas
não quero soar dramática.
Então
encontrei no Facebook a página de uma mulher que relata toda a evolução do
Alzheimer da mãe, uma velhinha bastante simpática e que em muito me lembra a
minha avó. Hoje ela postou algo sobre o quanto os cuidadores precisam de apoio,
e relatou ter se sentido sozinha, ter chorado bastante, ter enfrentado longas
crises, mas sempre com o pensamento pseudo-positivo de que “se eu não me
ajudar, ninguém mais vai”.
Uma parte
de mim orgulhou-se pela força e pela coragem.
Outra
parte invejou tudo isso.
Uma outra
parcela sentiu, de maneira bem forte, a empatia pela situação.
Mas a
quarta parte (e hoje, nesse texto, essa parcela é maior do que todas as outras)
sentiu muita solidão.
Solidão
porque, de todos os casos que leio (e eu pesquisei bastante antes de chegar até
aqui), sempre vejo relatos de filhos que cuidam sozinhos, de idosos que se
cuidam sozinhos, de pessoas que necessitam, mas que não recebem qualquer tipo
de amparo. Penso sobre o que eu vivo todos os dias, sobre deixar de fazer
coisas para mim, sobre procurar estágios e empregos alternativos que não
comprometam meus horários com minha avó. Lembro que, durante a faculdade, fazia
os estágios no período em que ela estava dormindo. E lembro especialmente do
dia em que ela escorregou no chão do banheiro, e eu não tive forças para levanta-la.
Eu só a ajeitei no chão, pra que não ficasse torta e pra que não se machucasse,
sentei ao lado dela, e fiquei esperando o tempo passar, fazendo companhia até
que outra pessoa aparecesse e pudesse ajudar.
Também
lembro todas as vezes em que minha mãe deixou de sair, do quanto acordou no
meio da noite porque minha avó também acordava e não queria voltar dormir. Ou
quando ela desmaiou tomando banho e minha mãe teve que carrega-la nos braços e
coloca-la na cama.
Lembro
o dia em que ela ficou nervosa, logo que começou a esquecer, e brigou comigo
porque eu estava limpando a casa. Ela me bateu, e minha única reação foi
chorar. Chorar de medo, de vergonha, de dor. Dor porque o tapa tinha realmente
doído (na pele e no ego), medo porque eu sabia que a tendência era piorar...
Quando
me propus a escrever esse blog, milhares de boas
histórias encheram a minha mente. Convivi com a minha avó
praticamente todos os dias nos últimos 23 anos, então não faltam histórias
legais para contar: as papinhas, as vezes que eu dormia no colo dela, os
tombos, a horta, o desespero que ela vivenciou quando quebrei o braço pela
primeira vez (na frente dela), a leve preocupação que ela sentiu quando quebrei
o braço pela segunda vez (de acordo com minha mãe, eu era uma criança meio panaca), as fugidas de casa, os
cafés da tarde, o banho pontual as 17h...
Mesmo
assim, sabia que esse blog não seria só sobre boas histórias. Pelo contrário.
Eu me propus a escrever sobre os problemas decorrentes da sua doença, e na maioria das vezes,
embora as histórias sejam comoventes e/ou engraçadas, na vida real elas não passam de verdadeiros problemas.
O
fato é que não basta ser forte. Não basta fazer piada, rir das coisas
engraçadas que minha avó faz, zoar a risada macabra que ela solta às vezes, de
madrugada, ou brincar com o fato de que ela sempre esquece que já trocou de
roupa e vive colocando um vestido em cima do outro. É engraçado, mas é triste.
E cansa, e emociona, e dói muito.
Então
não adianta respirar fundo e pensar que “preciso ser forte”. NINGUÉM deveria
precisar ser forte sozinho, porque todos, em algum momento, precisam de ajuda. A
paciência resolve um pouco as coisas, permite esperar com mais calma, mas não
tem como não enlouquecer se não
houver alguém para ajudar.
Sem querer soar egoísta (já basta o drama!), quem cuida também precisa viver a própria vida. E acho que isso é um processo que os cuidadores tendem a esquecer: cuidar de si mesmos, viver, sair, arrumar um emprego, seguir a carreira.
Cuidar de si mesmo também exige uma dose de amor, preparo, e uma paciência absurda.
E na maior parte das vezes os cuidadores também precisam de cuidados.
Cuidar de si mesmo também exige uma dose de amor, preparo, e uma paciência absurda.
E na maior parte das vezes os cuidadores também precisam de cuidados.