sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Sobre a minha despedida

Não considero minha avó como uma pessoa sábia ou com grande capacidade intelectual. Ela nunca me deu conselhos, nunca me deu presentes, e nos últimos anos nem gostava muito de conversar. Desde que tenho minhas primeiras memórias, a única coisa que eu sabia que minha avó gostava de fazer era de se movimentar: fazer pão, caminhar, cortar lenha, correr atrás do meu irmão.
Mas foi justamente por toda essa energia, que ela me ensinou duas emoções e movimentos valiosos: o cuidado e a paciência.
Primeiro, porque desde criança foi ela quem cuidou de mim, que me alimentou, vestiu, e se preocupou comigo enquanto meus pais trabalhavam. Depois, porque o Alzheimer fez com que ela voltasse a ser criança, e então fui eu quem precisou cuidar, alimentar, e se preocupar com ela enquanto meus pais trabalhavam. Com ela eu aprendi a desempenhar dois papeis: a criança cuidada, e o adulto cuidador.
Nos últimos anos, com a demência, nos aproximamos mais do que em qualquer outra fase. E foi então que eu percebi o quanto minha avó era uma mulher fantástica, energética, e com um coração gigante. Todos os dias ela se deliciava com abraços, mexia as mãos como se tentasse dançar, e gargalhava tão alto que suas risadas enchiam a casa toda. Os gatos dormiam com ela todas as tardes; as senhoras da igreja vinham visita-la sempre que possível; e nos poucos lugares que ela ainda frequentava, todas as pessoas elogiavam o quanto ela era carinhosa: cumprimentava a todos, abençoava, cantava e fazia orações.
Ela não sofreu. Ela viveu sorrindo, rezando, e cuidando de nós; e, ao fechar os olhos pela última vez, ela o fez tranquila, rezando, e sendo cuidada por aqueles a quem ela sempre deu amor. Ela nunca esteve sozinha. Viveu cercada de amor e é assim que ela se foi, depois de 95 anos de vida, de cuidado e de paciência.
Não fiquei muito tempo do velório, não me aproximei do caixão. Quando recebi a notícia e fui para casa, a primeira coisa que fiz foi tomar café – porque eu sabia que, se ela estivesse desperta, ela perguntaria se eu estava com fome e me mandaria comer. As coisas que eu aprendi com ela, como comer nas horas certas e tentar sempre ter uma companhia à mesa, eu nunca vou esquecer. Ontem, não me despedi. Minha despedida foi cara-a-cara, há dois dias, quando ela começou a enfraquecer e balbuciou que precisava ir embora. Eu disse que a amava, mas que já estava na hora de ela nos deixar – e nós ficaríamos bem.

Por isso, se aí do céu a senhora puder ler isso, saiba que eu estou bem. Saiba que todos estão tristes, que a mãe vai levar muito tempo para superar, mas que todos ficarão bem. Do jeitinho que a senhora ensinou.


Te amo, vó. Obrigada por todas as experiências que a senhora me permitiu viver, e obrigada por ter sido uma companhia tão alegre.