quarta-feira, 22 de julho de 2015

Sobre o dia em que tudo começou

As pesquisas científicas demonstram que o Alzheimer geralmente aparece depois de um trauma, quando a pessoa vivencia algum período de mudança brusca e não possui estrutura para se adaptar, e alguns problemas já existentes podem aumentar o impacto dessa doença. No caso da vó Aldina, ficou bastante nítido para nós que ela começou a esquecer quando quebrou o fêmur e foi obrigada a ficar alguns dias no hospital e depois em casa, mas sem se levantar.
O acidente aconteceu no dia 11/09/2011, quando ela acordou e foi para o banheiro (que fica ao lado do seu quarto), mas escorregou na porta e caiu. Ela sempre foi muito ativa. Nossa casa tem uma calçada imensa, e, desde que eu me lembro, todos os dias ela acordava cedo e caminhava da porta até o portão várias vezes. A “caminhada” no quintal de casa durava pelo menos meia hora, e nossos cachorros sempre a acompanhavam – todo mundo se divertia com uma velhinha andando pelo quintal. Ela sempre teve as pernas fortes; ia à igreja sozinha, caminhando, toda semana; ficava de pé durante horas na frente do fogão enquanto preparava comida ou separava o “fermento de litro” que usava para fazer o pão. Suas pernas a levaram para muitos lugares, e sempre a trouxeram de volta em segurança. Mas não naquele dia em que, sabe-se lá por qual motivo, ela caiu.
Minha mãe a levou ao médico, que constatou uma lesão no fêmur e a necessidade de uma cirurgia. Tudo correu bem, mas nos poucos dias em que ela passou de recuperação no hospital, sua cabeça virou uma bagunça: a rotina, a comida e as pessoas eram completamente diferentes do que ela estava acostumada. É claro que tantos anos de exercício e cuidado não foram a toa e ela se recuperou bem rápido... Ela tinha 89 anos, acabara de passar por uma cirurgia, e os médicos não aguentavam mais seus pedidos para ir embora. Em menos de uma semana, ela já estava em casa – os médicos justificaram que o ambiente familiar seria melhor para a sua recuperação – mas como ela não podia andar ou forçar a perna, passou quase um mês dentro do quarto. Todos enlouquecemos um pouco. Ela tentava levantar, tentava andar, e em qualquer momento de distração, víamos ela quase fora da cama e precisávamos segurá-la. Ela não queria parar. Nós nos revezávamos para ficar com ela, almoçar juntos, levar comida e café durante o dia, e fazíamos o possível para que ela não ficasse sozinha.
Foi nessa época que a nossa rotina também mudou. Eu, meus pais e meus dois irmãos não podíamos mais sair juntos, porque um de nós sempre precisava ficar em casa. Como o meu quarto é ao lado do quarto da vó, e como eu estudava a noite e passava o dia todo em casa, parte do trabalho ficou para mim: precisava me certificar de que ela estava comendo, de que estava confortável, de que não ficasse triste.
Ao mesmo tempo em que isso era pesado, difícil, e muito estressante, também tinha seus momentos divertidos. Quando não se dava conta de que estava em recuperação, ela ria bastante e nos contava muitas histórias. Eu e ela nunca fomos próximas, então saber tantas histórias (a maioria em primeira mão) era bastante recompensador... eu me sentia (e ainda me sinto) bastante especial.


[continua...]

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